Diversos artistas estiveram conosco no ensaio aberto no dia 30 de janeiro, que gostamos de chamar de “farra das bolas de papel”. Foi bonito ver todos participando da experiência. A escritora Luci Collin, que está conosco no projeto, escreveu um texto a partir do que ela viu acontecer na sala de ensaio.
A Cerimônia dos papéis amassados – por Luci Collin
a atriz sabe a vermelhos & encena os infinitivos
da voz que cantando aquele mesmo trecho
em livre tradução fará voltar antigamentes
o pianista engenha a beatitude do ensaio
& é ao mesmo tempo hiato & as notas todas
feito grito de guerra feito acalanto
a atriz tem um cansaço que só o espelho concebe
dos fósforos vencidos pela ciência do incêndio
no gozo que ficaria interrompido não fosse o vento
o mesmo pianista um nenhum isso
no teclado faz procriar em preto & branco
o simulacro das partes que se exageram
& os papéis se multiplicam feito o espanto
(já tinha acontecido antes)
& a repetição é o inventário de sentidos
da atriz nenhuma do pianista tão sem si mesmo
as mãos tanto sozinhas que se amparam
no vácuo incólume do que vale a pena
são sobreviventes a atriz & o pianista
o andar tropeçando na imitação do ilimitado
o anverso & o efeito de se estar vivo
isso nunca acaba & os calendários tombam
os gestos desdenham alvos & segredos vazam:
alguém inventou-se fora dos relógios
cada papel descartado abriu-se
as notas palavras pétalas parágrafos
inauguram as mesmas coisas de nunca
o bumerangue traz de volta o ser inviável
& num ato sem cerimônia
é primavera pra sempre

O professor Paulo Vieira Neto, do departamento de Filosofia da UFPR, também estava junto conosco, e depois do ensaio nos enviou algumas valiosas impressões. “A espera, a brincadeira e a constante retomada do isso é uma representação, foi muito legal. As voltas ao texto, ao mesmo tempo acendiam e apagavam a reflexão (só a reflexão faz alguém dizer que algo é representação, o imediato é vivido como algo sem nenhum índice de diferença). Então não dava pra saber se era imediato ou refletido, porque participamos fazendo bolas de papel e etc (tirando fotos também! né Lina Faria?). Formidável! A brincadeira com a obsessão tomou a sala, porque éramos todos obsessivos. O engasgado foi maravilhoso (e picante, essa coisa do cuspir e engolir), melhor ainda porque foi o limite do ato de cantar. Muito legal!”.