Cerimônia dos papéis amassados

de Luci Collin

a atriz sabe a vermelhos & encena os infinitivos

da voz que cantando aquele mesmo trecho

em livre tradução fará voltar antigamentes

 

o pianista engenha a beatitude do ensaio

& é ao mesmo tempo hiato & as notas todas

feito grito de guerra feito acalanto

 

a atriz tem um cansaço que só o espelho concebe

dos fósforos vencidos pela ciência do incêndio

no gozo que ficaria interrompido não fosse o vento

 

o mesmo pianista um nenhum isso

no teclado faz procriar em preto & branco

o simulacro das partes que se exageram

 

& os papéis se multiplicam feito o espanto

(já tinha acontecido antes)

& a repetição é o inventário de sentidos

 

da atriz nenhuma do pianista tão sem si mesmo

as mãos tanto sozinhas que se amparam

no vácuo incólume do que vale a pena

 

são sobreviventes a atriz & o pianista

o andar tropeçando na imitação do ilimitado

o anverso & o efeito de se estar vivo

 

isso nunca acaba & os calendários tombam

os gestos desdenham alvos & segredos vazam:

alguém inventou-se fora dos relógios

 

cada papel descartado abriu-se

as notas palavras pétalas parágrafos

inauguram as mesmas coisas de nunca

 

o bumerangue traz de volta o ser inviável

& num ato sem cerimônia

é primavera pra sempre